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quarta-feira 8 maio 2024
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“Crônicas e Contos do Escritor” – O velho siri japonês

Hoje deu vontade de contar uma historinha sobre um velho Siri. Vamos nessa?
Cansado pelo peso da idade, o velho siri japonês observava os filhotes brincarem na areia, talvez fossem seus tataranetos ou pentanetos, já nem sabia mais. Era um tal de andar de lado para lá, andar de lado para cá e, vez em quando, pinças mordendo um, espremendo outro, quase cortando alguém, mas era só uma pequena briga entre as crianças e logo vinha um siri adulto colocar ordem na coisa e o velho siri sorria.

Se espreguiçou, olhou para o mar e, lenta e pesadamente, entrou na água, mas só ali no rasinho. Com a idade avançada, já não se arriscava a grandes profundidades e nem aquelas ondas danadas de forte. Mas, tinha grandes e boas lembranças de grandes ondas, grandes viagens e aventuras por esse mundão de água infinito.
Aliás, para o velho siri, o mundo se resumia nas faixas de areia e nos mares infindos.

Se espreguiçou na água, se sacudiu, deu pequenos pulinhos, dentro do que a idade permitia, e rapidamente saiu da água para se esquentar ao sol.
A temperatura havia caído consideravelmente com o fim do verão e não queria correr o risco de um resfriado. Na sua idade, um simples resfriado poderia se tornar um grande problema caso evoluísse para uma gripe. Melhor não arriscar.

Se esquentando ao sol, com seus olhinhos, que já não enxergavam tão bem, atentos, havia perigos para todo lado, sabia muito bem, mesmo com o fim da temporada de turistas na praia. Aliás, não fazia ideia de onde vinha aquela gente com um monte de coisas estranhas. Não conseguia imaginar em que mar moravam, sempre os encontrara nas faixas de areia. Bom, sua desconfiança tinha motivos, seus quase noventa anos de vida tinham lhe permitido ver muita coisa perigosa, não só turistas com suas crianças, gatos e cachorros, mas também coisas grandes como tempestades, ventos fortes, a segunda guerra mundial, terremotos e até tsunamis. E sobrevivera até ali graças à sua esperteza, desconfiança e pelo fato de estar sempre muito atento. Já havia visto muita coisa, muitas primaveras, verões, outonos e invernos, mas o velho siri não tinha dúvidas em apontar o verão como a estação mais perigosa para todos os siris. Ela trazia os terríveis humanos para a praia e nem mesmo lontras e focas, dentro da água, e pássaros na areia, representavam tanto perigo como os malditos humanos que assassinavam cruelmente os siris, poluíam suas praias e adoravam encher o saco.

Qual a graça de ficar perturbando quem só queria andar de lado sossegadamente? Até lembrava uma ocasião em que um daqueles humanos o perturbara tanto que, cansado de fugir, quase lhe arrancara o dedão do pé com a pinça. Enquanto o humano chato gritava e pulava em um pé só, o velho siri, prudentemente, aproveitou a oportunidade e se mandou de perto dele.

Com toda sua sabedoria, sabia que os seres humanos eram seus maiores predadores, sem contar que eram os que mais perturbavam. Bastava chegar o verão, a praia se enchia e pronto. Acabou a paz dos siris. Aqueles humanos o irritavam demais.

Aliás, em sua longa vida, outra coisa que o chateara demais foi quando, em uma viagem para os Estados Unidos, um humano o viu saindo da água e o chamou de “caranguejo nadador”. Ora, faça o favor, um siri ser chamado de “caranguejo nadador”, para ele, era uma ofensa. Detestava ser comparado com eles, afinal, siri é siri e caranguejo é caranguejo e pronto. Como diziam os humanos chatos, não vamos confundir “alhos com bugalhos”. O velho siri japonês sorriu ao lembrar de sua viagem até os Estados Unidos. Ah, mas tinha sido bom demais. Fora uma longa, cansativa e perigosa viagem até o continente Americano, mas valera a pena. Se divertira muito nas grandes ondas, pegara carona, escondido, em barcos pequenos e grandes, fugira de peixes, de barcos de pesca de siris, enganara tubarões e até viajara de carona nas costas de enormes baleias. Havia sido uma grande aventura.

Tivera até terríveis duelos, com outros siris, e não foram poucos, mas saíra vencedor de todos. Estufou orgulhoso o peito envelhecido, mas uma danada tosse atrapalhou.
Lembrava de uma ocasião quando chegara em alguma das praias americanas e um danado de cachorro chato resolvera perturba-lo. O danado latia, batia as patas nele, tentava morde-lo, corria de um lado para outro e voltava latindo e perturbando. O cachorrinho só queria brincar, mas o desconfiado e irritado siri não queria arriscar e em uma bela demonstração de agilidade, pulou nas costas do simpático cachorrinho e lhe dera uma boa “mordida” com sua pinça. O coitado do cachorrinho saiu correndo e gritando e o siri em suas costas e foi difícil pular dali de cima com aquela correria todo.

Mais uma vez sorriu com suas lembranças, mas tudo isso estava ficando no passado, sua idade não permitia mais viver grandes aventuras. O negócio agora era ver os filhotes aprontando, só entrar no rasinho e ficar tomando sol em paz, longe dos turistas e de seus endiabrados cachorrinhos.

O tempo passa, a velhice chega e lá vamos nós, iguais ao velho Siri, vivendo de nossas doces lembranças e que bom que temos boas lembranças.