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domingo 19 maio 2024
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Comilanças Históricas e Atuais – Os gritos do silêncio: o massacre de um povo

Comilanças Históricas e Atuais – Os gritos do silêncio: o massacre de um povo

I – Um filme amplo
Há filmes que surgem na copa de um emaranhado de conceitos paralelos. “Os gritos do silêncio” é um filme que machuca, desassossega, afasta a crença que ronda o futuro; ao mesmo tempo que se consagra como espetáculo cinematográfico, que nos exige algumas sondagens em estradas paralelas para compreendê-lo.
As cenas do filme justificam a sua existência na respiração produzida pelo jornalismo. A profissão de jornalista consiste na abertura da cortina que divide os olhos a humanidade. Ele investiga um fato, um acontecimento, colhe opiniões, organiza-as e monta uma ponte entre o drama e o leitor. Essas notícias, depois da colheita, podem ir para a impressão, radiofonia, internet, televisão. A grafia dos fatos, ou o início do jornalísmo vem de 1041, em Pequim, no folheto Kayan.

Nessas beiradas de caminho surge a realidade, uma espécie de cola que rasteja no chão, afastando os homens dos sonhos, das nuvens, do contexto, da imaginação. A realidade dá os braços à religião, ciência, arte, filosofia, onde, exercendo um trabalho fantástico traduz e exemplifica a construção do mundo pelo homem.

No desenvolvimento pela sobrevivência humana, os homens uniram-se em povoados, vilas, cidades pequenas, cidades grandes, movidas por engrenagens oleificadas pela política, economia, cultura, industrialização, trabalho, produção, consumo, proletariado, greves, conflitos, guerras. Essas características que marcaram o desenvolvimento humano, refletiram-se no espelho sob o rótulo de sociedade.

O peso real do cargo nas costas do homem, permitiu que, ao longo dos séculos, a ficção o autorizasse a elaborar a liberdade da imaginação, o direito de construir histórias que, embora sejam semelhantes à realidade, edificam mundos possíveis, amor possível, felicidade possível, utopias que ligam a vida e o sonho como fez Thomaz Morus em sua obra “Utopia”, publicada em 1516.

Na ultrapassagem da ponte, encontramos no meio do caminho a manifestação da arte que mora no lado esquerdo do homem, um estoque cultural envolvendo emoções concretas e abstratas; emoções vasadas em nosso “eu” gerado pelo mundo das ideias vestidas com a roupa do sentimento. Esse novo ser chama-se arte.

II – Camboja histórica
O mundo olhava assustado para a região do Camboja; ao passar dos dias, durante o cair das folhas mais altas, o Camboja tomava o formato de uma panela de pressão. A guerra explodiu a partir de uma torre erguida no espaço, percorrendo cada buraco do território localizado no sul da Península Indochina, no Sudeste Asiático, fazendo fronteira com a Tailândia, com o Laos e com o Vietnã. A Guerra Civil foi devassadora, levando o universo a temer, a nível de violência, que um conflito pode realizar em tão pouco tempo, pois essa loucura terminou em 1975.

III – Os Gritos do Silêncio e a temática da animalização do homem
No final da guerra de 1975, Pol Pot, organizador do partido Khmer Vermelho, assume o poder no Camboja. Em seus sonhos de psicopata político, cria a chamada utopia agrária, organizando centenas de Fazenda de Trabalho Forçado ou Prisões Governamentais.

Em seu cérebro doentio, Pol Pot provoca o esvaziamento das cidades, fazendo a população urbana se instalar em suas fazendas de trabalho forçado. O trabalho agrário era realizado em regime de castigos, torturas, péssimas condições de realizações. Em sua política irresponsável, procurou destruir os centros urbanos, fechando hospitais, monastérios, escolas, fábricas; fechou os jornais e proibiu a liberdade de expressão.

O seu projeto político perseguiu religiosos, os intelectuais foram massacrados, destruiu os caminhos trilhados pelos monges budistas, investiu contra as influencias estrangeiras, as etnias étnicas representadas pelos chineses, vietnamitas, cham do sudeste asiático foram expulsos ou assassinados. O genocídio étnico, as mortes nos campos de trabalho podem ter atingido a cifra de dois milhões e meio de pessoas.

No final de 1979, forças vietnamitas invadiram o país, derrubaram o triste governo de Pol Pot que, a partir desse momento, embrenhou-se nas matas do Camboja, numa cabana no meio da mata fechada. Na madrugada de 1998, no silêncio do universo e no coaxar dos sapos, foi encontrado morto. Teve um infarto enquanto dormia. É esse período, essa fuga do campo para a cidade, a violência, as mortes injustificadas que transformaram “Os Gritos do Silêncio”, numa mistura de ficção histórica e documentário.

IV – Sempre há um início
O filme “Os Gritos do Silêncio” nasceu do artigo jornalístico “A morte e a via de Dith Pran”, publicado em uma revista, pelo jornalista Sydney Schanberg, em 1980. O roteiro, um texto de aproximadamente 300 páginas, foi escrito pelo ator Bruce Robinson que, partindo de um artigo jornalístico, conseguiu trabalhar os efeitos trágicos de uma guerra absurda e, paralelamente, apresentar uma história de amor, amizade e coragem entre dois profissionais preocupados com o destino de um mundo contorcido em si mesmo,

V – O filme
“Os Gritos do Silêncio” é um filme que segue uma linearidade inabalável. O seu enredo caminha no acompanhamento dos passos do jornalista Sydney Schanberg, correspondente do jornal New York Times, chegando ao Camboja para fazer a cobertura jornalística sobre a bestialidade humana que brota nas pedras das ruas daquele país. Em todo jornal, a maioria dos jornalistas encarregados de uma missão tão incompreensível, precisa da colaboração de um repórter local para colaborar na tradução, fotografias, identificação geográfica onde os conflitos acontecem. No caso singular dos Gritos sonoros da região asiática, o jornalista americano encontra o fotógrafo Dith Pran, um cambojano casado, tem filhos e a mulher espera mais um bebê. Pois bem, Dith procura deixar a família em segurança e embrenha-se no trabalho do jornalista de Nova York, tornando-se no alter ego da imprensa internacional.

VI – Os Gritos no ruído trágico do silêncio.
O desenvolvimento do filme abarca a cobertura jornalística, a violência da invasão do Camboja, as ruas espremidas pelos corpos sem vida, os atentados terroristas, as bombas americanas caindo em lugares mal planejados, o desespero da população, os gritos dos oprimidos e o silêncio do aloprado Pol Pot, líder do grupo Comunista Khmer Vermelho, o reconhecido (KV).

Para se entender o contexto do filme, mesmo que sutilmente, torna-se necessário passar pela porta da guerra do Vietnã, uma disputa sem bola no campo, sem juiz, sem arquibancada. No meio do campo, sem graça em nenhum rosto, o time do capitalismo enfrentaria a equipe do comunismo. O jogo durou 20 anos e muitas crianças não conseguiram falar nada, morreram antes do nascimento.

Nesse clima, “Os Gritos” documentam a conquista do Camboja pelo regime Khmer Vermelho, liderado por Pol Pot.

VII – O rompimento
A política de Pol Pot, a transparência de um comando que mais aproximou da estupidez, resolve expulsar diplomatas estrangeiros, destruir os intelectuais, fechar escolas e universidades, esvaziar os centros urbanos, transferindo seus habitantes para os campos de produção agrícola, ou seja, colocar o desenvolvimento cultural do mundo, numa casquinha de sorvete.

Esse pequeno pedaço de tempo deu o sinal para que o jornalista Sydney Schaberg deveria deixar o país. Ele tentou, a todo custo, levar o amigo Dith Pran; chegou a falsificar um passaporte, mas a foto, tirada em situação precária, apagou-se antes do embarque e Dith Pran teve que permanecer no Camboja. Nos Estados Unidos, Sydney enviou centenas de cartas a Cruz Vermelha e entidades semelhantes, tentando a liberação do amigo.

Os seus artigos foram premiados em solo americano e no mundo; beneficiando-se com o recebimento do “Pulitzer” de jornalismo, na classificação de Reportagem Internacional. No entanto o seu coração estava no Camboja; os seus sentimentos e emoções fixavam-se na imagem do amigo que permanecera no Camboja.

VIII – Canto a Dith Pran
Dith é preso no Camboja e enviado a uma Fazenda de Concentração.
O sofrimento não passa por horário definido; a fome transforma-se na realidade dos segundos; a tortura vinha sem motivos aparentes. Para sobreviver, no corpo de um processo de escravidão, se alimentava de besouros, escorpiões, e bebe o sangue das vacas que pastorejavam nas proximidades.

Um dia com cara de tempo perdido, no rádio de um dos guardas, da fazenda, o som dos Beatles invade a alma de Dith, dando-lhe a coragem necessária para fugir, com as forças da alma. Dith caminha por vários dias entre restos mortais e, sem perceber a direção, chega a Tailândia.

IX – Sydney e Dith
A máquina de escrever, as fotos reveladas em quartos de hotéis baratos, a explosão das bombas, as rajadas emitidas pelas armas de fogo, os gritos, os corpos tombando, as dores misturadas com o medo, foram elementos que construíram a amizade, o companheirismo, a confiança, a esperança e os sapatos gastos da xenofobia, precisando trocar o solado.

“Imagine”, algumas frases de Lennon:
Não existe nenhum motivo para matar ou morrer.
Imagine todas as pessoas vivendo em paz.
Imagine que não existem posses.
Imagine uma irmandade dos homens.
O mundo viverá como um só.

O filme “Os Gritos do Silêncio” termina num longo abraço, numa lágrima parada na complexidade do olhar, na cabeça de Pran encostada no peito de Sydney. E o universo estático em seu movimento espantado, mas em êxtase, pela resistência da arte.

RECEITA
Filé preparado à moda khmer (ou cambojana)

Ingredientes: 1 kg. de carne do boi (a melhor opção é o filé mignon, mas pode ser alcatra), 1 colher de chá de sal, 2 colheres de sopa de molho de ostra e a mesma quantidade de molho de peixe, ½ pimentão vermelho e ½ pimentão amarelo, 2 cebolas brancas e 1 cebola roxa, sal, açúcar e pimenta tipo chili desidratada. À parte: 4 dentes de alho e um pedaço de gengibre delgado medindo 10 cm. (30 a 50 gr.), ½ xícara de café de óleo, de preferência óleo de coco.

Modo de Fazer: Limpe e corte o filé ao meio no sentido longitudinal. Corte pequenos bifinhos, bem finos – da espessura de 70 mm. Tempere com a mistura já preparada de sal e molhos de ostra e de peixe. Deixe reservado por 30 minutos para pegar tempero.
Corte os pimentões e cebolas em fatias. Corte bem miúdo o alho e o gengibre. Reserve.

Em uma panela bem grande aqueça um fio de óleo e torre o alho e o gengibre. Retire-os da panela e use-a de novo, sem lavar, juntando mais um pouco de óleo, para fritar os filés. Vá fritando aos poucos, para não dar água, afastando os que já mudaram de cor para as laterais da panela e colocando os pedaços crus no fundo. Quando estiverem corados, retire-os e reserve-os em local protegido de vento. Na mesma panela, junte mais um pouquinho de óleo e passe os legumes, até ficarem macios. Por último, junte 1 colher de chá de açúcar aos legumes, deixe derreter, misture bem e tempere com sal e pimenta. Junte a carne e o alho com o gengibre. Misture tudo.

Uma boa opção para acompanhar esta carne é com macarrão tipo yakisoba. Esquente 1 ½ litros de água em uma panela alta. Jogue o macarrão ( 50 gr. por pessoa) e deixe cozinhar. Vigie o ponto – quando der para partir com a colher está bom. Escorra e jogue a água fora. Na mesma panela esquente 3 colheres de molho para yakisoba e passe o macarrão, misturando bem.

Sirva quente, em uma travessa larga, colocando o macarrão por baixo e a carne por cima.

Por Adriana Padoan