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quarta-feira 8 maio 2024
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Comilanças Históricas e Atuais – Confidencial: a tragédia do Kansas

Comilanças Históricas e Atuais – Confidencial: a tragédia do Kansas

I – Comentário
Não há como negar que no mundo das artes, em determinado período, os enredos são tão fortes que, no impulso de suas próprias grandiosidades conseguem gerar livros, filmes, reportagens, ligadas à intimidade realista que existe em todos nós. Neste artigo estamos enfrentando o desafio das multiplicidades, pois estamos abordando uma tragédia, três filmes, uma biografia, e a vida que caminha de cabeça baixa, rastreando o desabrochar que ronda o berço de uma época. Esperamos que o bonde da esperança consiga estacionar nos lugares apropriados.

II – Mundo e sonho
A cidadezinha de Holcomb resolveu situar-se nas altas planícies cobertas pelas plantações de trigo, no Oeste do Estado de Kansas. A área configura o incômodo do isolameno, um vizinho reside a quilômetros do outro. Os campos saem do ângulo de visão, pela sua extensão e grandiosidade. Os campos se confundem com o azul do céu, com o choro movimentado do velho trem que tenta correr ao lado das distâncias. Os moradores usam calças justas, facilitando a montaria; os chapéus são os Stelson, resistente ao respirar do vento; as botas de couro trabalhado têm um salto alto e bico fino.

Os nossos olhares movidos pelos jardins, acompanham os cavalos desbravadores, manadas de gado se arrastando em suas filosofias embutidas em carne e couro. Os silos tomam a feição de prédios inteiriços destinados a guardar a produção das colheitas e comida para os animais.

III – Tragédia e dor
Nas primeiras horas da madrugada, do dia 15 de novembro de 1955, uma bruxa perdida na atmosfera, resolveu causar um reboliço no modo de vida da cidade de Holcomb, de 270 habitantes.

Ela girou sobre a vassoura
Acordou as folhas secas,
Dormideiras da terra.

De repente, de algum lugar nasceram ruídos estranhos; a rotina noturna entrou por outra terra; a história e os gritos dos coiotes emudeceram. O vento não agitou as patas dos lobos, só os uivos correram os caminhos entre as plantações, os lamentos das locomotivas distantes apitavam lendas sem cor, sem lirismo, sem perdição na velocidade.

Dois rapazes, filhos da noite, Richard Eugen Deck Hickock e o manco Perry Edward Smith, justificando as mudanças da rotina determinada pelas estrelas, arrombaram a casa da respeitável família dos Clutter que, segundo comentavam, mantinham uma fortuna em casa. Os membros da família dormiam sonhando com o futuro. O pai Herbert, de 48 anos sonhava em dobrar a plantação de trigo; Bonnie, de 45 anos, a mãe imaginava o bolo que faria para a filha; Nancy, 16 anos, fantasiava sua ida para o colégio; Kenyon, de 15 anos, pensava na cerca necessária para conter a fuga dos carneiros.

Todos foram acordados, amordaçados, amarrados pelos bandidos. Os invasores vasculharam a casa, os móveis, utensílios domésticos e a fortuna se desfizera na poeira.

O garoto, filho caçula, teve a garganta cortada; o senhor Clutter antes de ser amordaçado, perguntou como estava a sua mulher. A resposta, imediata, foi uma explosão de espingarda 12, sobre a sua cabeça. Os demais foram assassinados nos lugares onde foram amarrados e amordaçados.

Os ladrões, depois da execução da tragédia anunciada, saíram da residência da família, levando um rádio, um par de binóculos e 50 dólares.

O crime teve total cobertura da imprensa local, por tratar-se de uma família conhecida e pela gravidade, até então sem qualquer explicação. As ações e o crime, pelas suas expressões apocalípticas, atingiram a mídia do Estado, chegando até o escritor Truman Capote, uma espécie de símbolo intelectual da sociedade americana.

IV – O escritor dentro da ação
Truman Capote nasceu em 1924, em Nova Orleans, Luisiana. Era filho de pais separados, drama que marcou a sua infância, obrigando-o a viver em casa de parentes.

Sua mãe casou-se, em segunda núpcias, com o empresário cubano Joseph Garcia Capote, de quem adotou o sobrenome. Na juventude foi morar em Nova York, onde estudou, frequentou os meios sociais, trabalhou em jornais e revistas, publicou romances, novelas, contos, produções literárias que penetraram no universo do cinema. Era um homem excêntrico, homossexual assumido, participante de festas, comemorações, bebidas, observador da realidade que estampava o comportamento da elite social de uma potência mundial.

No entanto, homens como Capote costumam apoiar-se em uma amizade forte, companheira e orientadora dos seus passos. A sua amiga e confidente era a escritora Nelli Horper Lee, autora do livro “O Sol é para Todos”, um romance que trabalha as atitudes racistas. O enredo gira em torno de seu pai, advogado, defensor de um trabalhador negro acusado de estupro.

V – O nascimento de “A Sangue Frio”
A notícia do massacre no Kansas impregnou-se na alma de Truman Capote. A noite não conseguia tirar os acontecimentos de sua cabeça, por outro lado, havia naquele contexto algum mistério técnico que rondava sua produção artística.

No dia seguinte, ao lado da amiga Horper Lee, resolveu viajar para Kansas a fim de cobrir, descobrir, procurar entender como alguém pode matar o próximo com tamanha indiferença.

Os dois artistas conseguiram entrevistar os assassinos que lhes revelaram detalhes da chacina. Conversaram com vizinhos, conhecidos, familiares dos Clupper. O produto literário nascia e crescia todos os dias. As apurações longas, minuciosas, calculistas os leva à história dos membros da família assassinada, o porque da brutalidade e a angústia do investigador Al Dewey chocado em não localizar os culpados.

Quando os assassinos foram presos, Perry Smith e Dick Hickock, Truman os entrevistou por vários dias e pedaços da noite. Usou os seus conhecimentos da técnica do jornalismo, da literatura, da psicologia e antropologia. A matéria acumulada pelo escritor possibilitou-lhe constatar a história sanguinária, os detalhes informativos, descritivos e analíticos, informações parcialmente colhidas através de cartas e depoimentos.

Truman levou seis anos para terminar o livro. Ele conseguiu levantar os comportamentos dos Clutter, a hora exata do assassinato, o horror praticado, os efeitos na cidade, na religião, a descrição dos crimes, a personalidade dos envolvidos, a realidade do corredor da morte.

Mostrou que a execução de Hickock na forca, não o perturbou como observador e jornalista. A morte de Smith, por outro lado, mesmo sendo o verdadeiro assassino, despertou-lhe outro tipo de reação, um sentimento de animal ferido, o escritor exilado nas emoções de um menino na aparência, um homem quase anão, mutilado, solto no espaço sentindo a presença da morte. Para a odisseia percorrida em busca da verdade, deu o nome de “A Sangue Frio” vendido em 30 países e com passagem adquirida pelo cinema.

VI – Evolução do cinema
O cinema viu as imagens andando, correndo, mas sem voz. Sentiu a presença de um piano no palco e a voz saltando séculos e sombras. Percebeu a chegada dos super-heróis, dos cowboys. Sentiu calafrios ao olhar o tubarão assassino no fundo do mar e chorou com a chegada do E.T.. No caso de “A Sangue Frio”, mesmo não querendo encarar, viu dois diretores filmando a tragédia do Kansas, no mesmo ano de 2005, nos mesmos minutos e segundos, fato que configurou uma circunstância, no mínimo curiosa.

VII – O filme “Confidencial”
O primeiro problema com esse filme é o fato do próprio diretor Douglas Magrath produzir o roteiro, atitude que engessou o trabalho dos atores. O ator escolhido para representar Truman Capote foi Toby Jomes. Ele exagera as excentricidades do escritor; a sua homossexualidade recebe uma afetação que ultrapassa a realidade; as suas roupas parecem desenhadas por um estilista das estrelas. Dessa forma, o protagonista passa a ser visto como um marciano pelos moradores da cidadezinha de Holcomb. O espaço, os habitantes, aproximam-se do processo operado pelos caricaturistas.

O contato de Capote com os assassinos também enfrenta a inadequação. Perry Smith é interpretado por um jovem alto, atlético, bonito; um tipo que sufoca e ameaça a liberdade do jornalista. Durante as entrevistas, o diretor sugere a existência de um caso de desejo sexual entre os dois; uma visão que se afasta da realidade em todos os sentidos. Perry era quase anão e tinha uma deficiência no pé. O encontro de Truman com Hickock, um assassino dissimulado não convence, faltam elementos para justificar tal procedimento.

Douglas por outro lado, se afasta da imagem de um Capote intelectual, viajado, optando por apresentar um protagonista vulgar, desinteressante, exatamente pelos exageros.
A cena do enforcamento, o diretor repete detalhes, planos, diálogos e movimentos, transformando os assassinos em bonecos estáticos.

A tentativa de amenizar a gravidade do bandido Perry, o verdadeiro assassino, para elevar o ego amoroso de Capote, não faz parte do livro. O filme “Confidencial” trava uma luta consigo mesmo, tentando ser um documentário da tragédia da família Clutter, mas não consegue realizar o projeto que, aos poucos, se esvazia pelo exagero.

VIII – O outro filme “Capote”
Realizado no mesmo ano, seguindo a linha da identidade temporal, o diretor Bennett entrega a realização do roteiro ao premiado Dan Futtermann. O argumento é o mesmo, a tragédia não trocou de roupa, nem procurou destinos diferentes. A saga narrada no livro “A Sangue Frio” permanece no picadeiro e no palco.

O papel do título ficou a cargo do ator Philip Seymour Hoffman. Ele correu os mesmos perigos, dificuldades semelhantes, em viver os sonhos de Truman, produtos de um tempo que percorre os anos de 1959-1965.
Esse longa recebeu o Oscar de melhor ator, melhor roteiro adaptado e coadjuvante. O diretor do projeto Bennett trabalhou um largo período no romance “A Sangue Frio”.

O alicerce da película está no cheiro da realidade que se abateu sobre uma família, numa pequena cidade do Kansas. A paisagem, a união familiar se desfez diante de um massacre que surge na boca da loucura.
O filme explora, de forma surpreendente, a técnica de escrita elaborada pelo escritor Capote. A violência penetra em seus olhos; a animalização da vida e a organização de um estudo psicológico complexo e profundo, estão visualizados na pele dos personagens e das pessoas que, em nome do destino, pertencem a uma pequena cidade; todos os atos brotam do coração.

IX – Nova York – princípio
O escritor, conhecido na América do Norte pelo seu egocentrismo, sua homossexualidade transbordante, a sua capacidade de manipular o próximo, o seu humor político devastador, são suas atitudes referenciais, nada é exagerado, nada se aproxima da caricatura.

O roteiro retira do mundo, um Capote participante através das polemicas, que seus livros alardeiam pelas suas páginas.

O comportamento falso da elite social americana, os contrastes e confrontos de uma nação que, à noite, movimenta-se como uma cobra.

X – Violência e realidade
O motivo que levou o escritor a rasgar-se por dentro, ao saber da chacina no Kansas, da família Clutter, ainda é um mistério. A cultura foi abalada, a voz perdeu o som em torno da tragédia. O silêncio, muito usado no filme, fortalecem as imagens e as interpretações. Truman interroga os assassinos em busca de uma causa. As cores são alteradas para mostrar a psicologia que percorre o interrogatório. A densidade invade o ambiente, a monstruosidade mostra o seu rosto.

O ponto mais alto de enredo, o seu clímax, reside no conflito entre os personagens. O processo de degradação do ser humano pula no chão. A investigação realizada por Capote é um retorno ao início do mundo. Tudo o que está fora mora dentro dele mesmo. A chacina, a morte de uma família, o julgamento, a pena de morte pela forca, também compõem esse nosso universo feito “A Sangue Frio”.

RECEITA

RISOTO DE LIMÃO SICILIANO COM CAMARÃO
Ingredientes: 3 colheres de sopa de margarina; 1 cebola picada; 500g de camarões limpos; 1 xícara vinho branco seco; 1,5lt de caldo de legumes ou de camarão; 2 xícaras de arroz arbóreo; Raspas de limão siciliano (2 un.); Parmesão ralado a gosto; Sal a gosto

Modo de preparo: Tempere os camarões com limão siciliano, depois os coloque em uma panela com a margarina e frite até dourar. Na mesma panela, doure a cebola com o restante da margarina e depois aqueça o caldo em fogo baixo. Junte o arroz e as raspas de limão com a cebola, e refogue por 2 min fogo médio. Adicione o vinho aos poucos até que evapore, sempre adicionando uma concha de caldo e mexendo sem parar. Continue mexendo e acrescentando o caldo até que o arroz fique al dente – de 25 a 30 min. Desligue o fogo, adicione os camarões, sal e o parmesão para finalizar!

Por Adriana Padoan