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terça-feira 14 maio 2024
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Acreditar, um ato de humildade

“Interroga a graça, não a ciência; o desejo, não o intelecto; o suspiro da oração, não o anseio de ler; o esposo, não o mestre; Deus, não o homem; o nevoeiro, não a clareza. Interroga não a luz, mas o fogo que inflama todo o ser e o mergulho em Deus”.
Extrair esse trecho do livro Itinerário da mente para Deus, de São Boaventura, o filósofo franciscano do século XIII, amado também por Dante, que o colocará no Paraíso.
A opção que o santo propões é o de depor os despojos da arrogância intelectual, da soberba da alma, da busca apenas curiosa, para aportar ao abandono entre os braços da graça, à intimidade da oração e da contemplação, à chama do amor.
Um itinerário espiritual que, ainda que não rejeitando a inteligência, distende-se pela via da adesão, da intuição, da pureza de espírito. É, portanto, a proposta de um percurso mais radical e menos calculado, mais generoso e espontâneo que envolva toda a pessoa, e não uma só dimensão.
Há um passo que me atrai, até porque resulta algo provocatório: “Interroga o nevoeiro, não a clareza”. À Primeira vista, com efeito, devemos expor-nos para a luz. Boaventura, ao contrário, recorda-nos que, – quando se entra no mistério de Deus – movemo-nos às apalpadelas, no meio de uma espécie de obscuridade rasgada por lampejos.
É necessário, por isso, reconhecer o nosso limite e a cegueira que gera o infinito divino, contra toda a orgulhosa ilusão de possuir e explicar Deus, como pode acontecer ao fiel que modela a divindade à sua imagem e semelhança.
Acreditar é, em conseqüência, um ato de humildade que se manifesta precisamente na travessia através da névoa, intuindo o relampejar do rosto de Deus.