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segunda-feira 20 maio 2024
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O médico que queria salvar vidas e acabou no corredor da morte no Irã

O médico que queria salvar vidas e acabou no corredor da morte no Irã

Parecia que seria mais uma viagem de trabalho: passar duas semanas em Teerã e voltar a Estocolmo. Quatro anos depois, Vida Mehran-nia ainda se arrepende de não ter se “despedido adequadamente” do marido.

Ahmadreza Djalali foi convocado em 2016 pelas autoridades do Irã. Lá, ele apresentaria seminários e daria aulas como especialista em medicina emergencial.

No dia de sua partida, a esposa lhe telefonou para desejar boa viagem.

“Inclusive, duas semanas separados era muito para suportar”, me disse Vida enquanto bebia uma xícara de café no centro de Estocolmo. na Suécia.

Ela não pode me receber em sua casa. O filho pequeno do casal não sabe que o pai está preso no Irã. Ele segue pensando que o pai está em uma viagem de trabalho.

Passaram-se quatro anos desde que o médico, que tem cidadania iraniana e sueca, fosse preso pelo serviço de inteligência iraniano.

Acusam-no de passar informações secretas ao Mossad, a agência de inteligência de Israel, para ajudá-los a assassinar cientistas nucleares iranianos.

Ele foi condenado à morte. Seu advogado diz que ele confessou o crime sob tortura.

Confinamento solitário

No último dia 24 de outubro, Djalali foi colocado em uma solitária na prisão de Evin, uma das maiores do Irã. Ali presos políticos são maioria.

Em dezembro, o médico telefonou para sua família. Estava no corredor da morte.
Vida encarou como um alerta de que as autoridades iranianas se preparavam para executar seu marido de 45 anos.
“Estava extremamente desesperado e me pediu que ajudasse a evitar sua execução e salvar sua vida”, disse Vida à BBC.

“Está fraco. Pensa que não pode fazer nada para salvar sua vida e que não tem poder preso sozinho numa cela.”
Depois Djalali conversou com sua filha de 18 anos.

“Ela tem chorado e pedido a políticos e ativistas de direitos humanos que salvem a vida de seu pai”, disse Vida.
“É muito difícil. Todos estamos sofrendo muito. Ninguém pode imaginar o que estamos passando. É uma tortura.”
O golpe na família é imenso.

Vida em família

“Meu filho pequeno só tinha quatro anos quando Ahmadreza foi ao Irã. Agora tem oito”, diz Vida.
“Sempre pergunta por seu pai e lembra de quando sentava em seus ombros e se divertiam.”
Ahmadreza sugeriu que, se for executado, seu filho não deve saber como ele morreu.

Mais educação

Ahmadreza Djalali se mudou para a Suécia em 2009 para ampliar sua formação acadêmica.
Sua família viajou um ano depois, após ele ser aprovado para cursar um doutorado no Instituto Karolinska de Estocolmo.
Logo se mudaram para a Itália, onde ele fez um pós-doutorado, e depois voltaram à Suécia em 2015.

A família tinha uma vida simples até a viagem fatídica ao Irã.

A Suécia lhe deu nacionalidade em 2018, enquanto estava na prisão. Para alguns no Irã, o ato foi uma prova de que Ahmadreza era “um ativo do Ocidente”.

A esposa dele rechaça a interpretação, dizendo que o casal já contava com a permissão de residência permanente desde que Ahmadreza completara seu doutorado.

Cientista respeitado

Ahmadreza é um cientista respeitado na Suécia. Pesquisava como fazer com que hospitais e regiões ficassem mais preparados frente a desastres.
Sua foto ainda estampa uma placa no hospital de Södersjukhuset, uma sucursal do Instituto Karolinska, junto ao título de sua tese de doutorado: “Preparação e hospitais seguros: resposta médica a desastres.”
Mantinha contato com a orientadora de seu doutorado no Instituto Karolinska, a professora Lisa Kurland.
Eles planejavam se encontrar em abril de 2017 para discutir a pesquisa, mas Ahmadreza nunca apareceu.
“A não aparição dele não condizia com seu caráter, e me perguntei se algo havia acontecido”, disse a professora de medicina de emergência.
“Várias vezes lhe perguntava antes e depois de cada visita (ao Irã) se era seguro, e ele dizia que sim.”

Quando Ahmadreza foi preso no Irã, sua família disse a amigos e colegas que ele havia se envolvido num acidente de trânsito e estava em um hospital.
Pensaram que isso ajudaria a libertá-lo, mas foi em vão. Então decidiram tornar o caso público.

Sentença de morte

A professora Kurland diz que sentiu um “choque impensável” ao saber que ele havia sido condenado à morte.
“Lembro da sua paixão por querer fazer a diferença”, ela afirma.
“Queria usar ferramentas científicas e metodologias para obter um doutorado, mas também para ajudar as pessoas no Irã.”
Kataria Bohm e Veronica Lindström, professoras associadas do Instituto Karolinksa, dividiram escritórios com Ahmadreza.

Elas o descrevem como “cortês, humilde edecente”, que sempre falava do Irã e de como queria visitar as universidades do país para “compartilhar seu conhecimento e ajudar a gente”, apesar da situação política.

Campanha por libertação

Em 2017, 75 ganhadores do prêmio Nobel escreveram uma carta aberta a autoridades iranianas pedindo a libertação imediata de Ahmadreza Djalali.
Há duas semanas, outros 150 ganhadores do Nobel escreveram outra carta ao líder supremo do Irã, Ali Khamenei, pedindo sua intervenção para libertar Djalali.

No mês passado, a Anistia Internacional pediu ao Irã que suspenda sua execução.
A ministra da Relações Exteriores da Suécia também conversou com seu homólogo iraniano com o mesmo fim.

Mas o Irã rechaçou o pedido da Suécia e advertiu contra “todas as interferências”.
A lista de estrangeiros e pessoas com dupla cidadania detidas pelo Irã é longa.
Grupos de direitos humanos acusam Terrã de usá-los como peões e ganhar concessões de outros governos.

No mês passado, o Irã libertou uma professora britânica-australiana, que cumpria uma sentença de dez anos por espionagem. A professora foi trocada por três prisioneiros iranianos.
A britânica-iraniana Nazanin Zaghari-Ratcliffe, assistente social, permanece detida.

Dedicação

Ahmadreza dedicou sua tese de doutorado ao povo do Irã: “Para a gente morta ou afetada pelos desastres do mundo, especialmente o povo da cidade de Bam no Irã”, lê-se na primeira página.
Em 2003, um terremoto matou mais de 26 mil pessoas em Bam.
O médico nunca pensou que seu doutorado em medicina emergencial o levaria ao corredor da morte.

Sua mulher diz que Ahmadreza só queria salvar vidas e impedir que esses desastres se repetissem.
A filha segue os passos do pai. Está matriculada na mesma universidade onde ele fez o doutorado.
Essa série de eventos tem sabor agridoce para Vida, que apoiou a filha apesar da grande ausência em suas vidas.

“Quando ela terminou o ensino médio com notas altas, seu pai não estava para celebrar”, diz Vida entre lágrimas.
“Quando a aprovaram no Instituto Karolinska e ela escolheu medicina, igual a seu pai, ele também não estava.”