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segunda-feira 17 junho 2024
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Leitura de Taubaté – Febre espanhola (tudo se repete 3)

Leitura de Taubaté – Febre espanhola (tudo se repete 3)

O Rio de Janeiro estava em festa coletiva, participando da inauguração e da revitalização dos bondes que percorriam as ruas do centro e dos bairros. Por meio de um decreto, os bondinhos tornaram-se coloridos, lindos, parecia um carrossel a céu aberto.

A gripe espanhola desembarcou de um velho trem, numa estação qualquer e, sem a mínima cortesia, penetrou no meio da multidão e da festança. Homens fortes e fracos, mulheres lindas, mulheres pertencentes ao time das nem tanto, velhos, crianças, sentiram um calor vindo de dentro para fora, transbordando o espaço do corpo; era a febre espalhando a pandemia entre rojões, gritos e aplausos.

São Paulo, no corre-corre de todos os santos dias, encontrou a gripe espanhola na esquina da São João, República, Praça da Sé e, desses pontos centrais espalhou-se pelo Estado.

– As pessoas morriam dentro de suas casas, hospitais, clinicas, na solidão das horas medrosas. Nas madrugadas, boca indecisa da noite, vultos retiravam os corpos de dentro das casas, jogando-os nas calçadas. Caminhões da Prefeitura e do Governo Estadual levavam os mortos aos cemitérios, enterrando-os em valas comuns.
O medo olhava as vitrines, onde as mercadorias estavam expostas, tentando atrair os olhos ausentes; os consumidores desaparecidos passavam rapidamente, olhavam rapidamente, não paravam de medo ou de puro e descabido histerismo. Os guardas-noturnos, porém, pedalando as suas bicicletas, tentavam conter as tentativas de saque.

Das ruas das grandes capitais a pandemia deslocou-se em direção as terras do interior. A cidade de Taubaté como tantas outras, localizada entre as duas capitais enfrentou a mesma violência da gripe espanhola. As escolas foram fechadas, as chamadas fábricas funcionavam com sua capacidade produtiva reduzida, empregando o sistema de rodízio de trabalhadores.

No Hospital Santa Isabel, os doentes estavam espalhados pelos corredores, pois todos os leitos estavam ocupados. Onde havia um espaço, havia leitos improvisados. A morte, proprietária daquele território ia de um ponto a outro, livre como um animal dominador. O ambiente estava devastado como uma floresta destruída.

Felix Guisard, empresário da época, proprietário-presidente da indústria CTI, perdeu o sono naquela quarta feira, onde se registrou o maior número de mortos em Taubaté. Seu pensamento ia da direita para esquerda, fixava-se em um ponto qualquer e percorria novos caminhos. Às cinco horas da madrugada, as idéias meio revolucionárias formataram um modelo de atitude, ação, e possível solução.

O que seu pensamento idealizou foi o seguinte: ”Criação no salão da antiga fábrica de malhas, um posto de atendimento, com centenas de leitos, dando suporte ao Hospital Santa Isabel. Esse projeto exigiu a contratação de médicos, enfermeiros, e outros profissionais da área da saúde”.

Pesquisando em seus livros de química aplicada a farmácia, Felix Guisard desenvolveu um purgativo poderoso, que foi objeto de receituários, aos doentes internados na fábrica da CTI.

A receita:
Se a febre estiver alta,
A náusea apertando a pele,
A diarréia chegando sem chegar,
Tome 0,20g de calomelano.
Misture 30 a 40g de sal de Glauber.
Mergulhe tudo,
Suavemente,
Em 30g de xarope de limão.
Acrescente a essa mistura,
120cc de água destilada ou fervida.

A gripe espanhola partiu de Taubaté, das cidades do vale, de São Paulo e Rio de Janeiro, sem compra de passagem, sem apresentação de passaporte. Deixou um rastro, pegadas profundas no solo, inúmeros mortos; seus efeitos, porém, duraram anos e anos após a sua passagem.

Felix Guisard, empresário, lutou como um leão durante a pandemia; construiu hospital na fábrica, deu apoio e suporte aos seus funcionários, cuidou dos contaminados, elaborou receitas e remédios, psicológicos ou não, mas curou muita gente.

Em compensação, no município de Ercure, o prefeito, homem meio desequilibrado, pensando somente na reeleição, fingiu que fora contaminado pela febre espanhola.

Representou estar com febre.

Interpretou um prefeito curvado pela diarreia.

No rosto, falso como a própria falsidade,

Demonstrou estar com náusea.

Morreu na sexta-feira, vítima de uma queda de cavalo.
E a pandemia da gripe espanhola levou sua ultima vítima, que não estava contaminada.

Prof. Carlos Roberto Rodrigues