O índice de progresso social (IPS) 2025 revela que Cunha (SP) está estagnada em uma zona de conforto perigosa: garante o básico, mas falha em oferecer o essencial para um desenvolvimento verdadeiro. Com uma pontuação de 61,31, a cidade não está entre as piores do país, mas também não figura entre as que avançam rumo a um futuro mais justo e próspero. O diagnóstico é claro: há conquistas em necessidades básicas, mas faltam políticas estruturantes em educação, oportunidades e sustentabilidade.
O avanço possível: meio ambiente e saúde como alavancas
Cunha tem um potencial ambiental inexplorado. Sua pontuação em qualidade do meio ambiente (60,58) está acima da média nacional, mas ainda é insuficiente. A região, conhecida por sua produção de cerâmica e belezas naturais, poderia investir em:
• Turismo sustentável, gerando emprego e renda sem degradar ecossistemas.
• Energias renováveis, reduzindo custos e atraindo investimentos verdes.
• Agricultura regenerativa, valorizando pequenos produtores e combatendo o êxodo rural.
Na saúde (59,75), o desafio é sair do atendimento emergencial e migrar para a prevenção e promoção da qualidade de vida. Programas de saúde comunitária, combate à desinformação e parcerias com universidades poderiam transformar o sistema em um modelo eficiente, não apenas remediar o irremediável.
Educação: a grande fronteira do progresso
O acesso ao conhecimento básico (78,39) é um ponto forte, mas esbarra em um abismo quando olhamos para o acesso à educação superior (24,92). Como esperar desenvolvimento se a maioria dos jovens não tem perspectivas além do ensino médio? É urgente:
• Criar polos de educação técnica e profissionalizante, alinhados às demandas locais (cerâmica, agroecologia, turismo).
• Fomentar parcerias com universidades públicas e institutos federais para levar ensino superior à região.
• Incentivar bolsas e programas de inclusão digital, reduzindo o gap em acesso à informação (55,91).
Oportunidades: gerar empregos ou condenar à estagnação?
O índice mais alarmante é o de oportunidades (44,54), com destaque para o fracasso em direitos individuais (31,2) e educação superior (24,92). Não há desenvolvimento sem:
• Políticas de empreendedorismo local, com crédito para pequenos negócios e cooperativas.
• Atração de indústrias limpas e tecnologia, diversificando a economia além do setor primário.
• Garantia de direitos básicos, como igualdade de gênero e combate à discriminação, para que todos tenham chances reais. O caminho: integrar desenvolvimento social e políticas públicas
Cunha não precisa reinventar a roda, mas priorizar o que já funciona e corrigir o que falha. Algumas ações imediatas poderiam mudar seu futuro:
1. Plano municipal de desenvolvimento sustentável – Com metas claras em emprego, educação e meio ambiente. 2. Conselho de inovação social – Envolvendo sociedade civil, empresários e academia para pensar soluções locais.
3. Transparência e participação popular – Para que a população não apenas sofra com as deficiências, mas participe da construção de soluções.
Um futuro que depende de escolhas
O IPS 2025 não é apenas um retrato de Cunha – é um mapa do que pode ser melhorado. A cidade tem recursos naturais, cultura e uma população capaz. Falta, porém, vontade política e visão de longo prazo.
Enquanto outras cidades investem em economia verde, educação e inclusão, Cunha corre o risco de ficar para trás, condenando suas novas gerações ao mesmo ciclo de oportunidades limitadas. O desenvolvimento não é um luxo – é uma necessidade. E ele começa quando se entende que progresso real não se mede apenas por números de PIB, mas por dignidade, acesso e futuro. A pergunta que fica é: Cunha está pronta para dar o próximo passo?
Cunha: tradição e cultura como caminhos para o futuro
No alto da Serra do Mar, entre vales, nascentes e mata atlântica preservada, Cunha — no interior de São Paulo — é um território onde o tempo da roça, da brisa fria e da cerâmica queimada a lenha se entrelaçam. Em 2025, o município celebra os 50 anos da introdução da cerâmica noborigama, técnica milenar japonesa que transformou a paisagem cultural e econômica da cidade. Esse marco, mais do que um símbolo histórico, representa uma oportunidade concreta de repensar o desenvolvimento local a partir de suas raízes: tradição como inovação.
Foi em 1975 que os ceramistas Toshiyuki e Mieko Ukeseki, vindos do Japão, construíram o primeiro forno noborigama no Brasil, em Cunha. A técnica — que utiliza fornos de múltiplas câmaras construídos em aclives, queimados com lenha — logo atraiu nomes como Alberto Cidraes, Suenaga e Jardineiro, Luís Toledo, Lei e Augusto, entre outros. Eles não apenas consolidaram Cunha como um polo da cerâmica artística de alto valor, mas também mostraram que é possível conjugar arte, técnica ancestral e território.
Meio século depois, essa herança cultural é um diferencial competitivo valioso em um mundo globalizado que busca autenticidade, sustentabilidade e histórias enraizadas.
A cerâmica de Cunha, aliada à culinária caipira, à música tradicional, à arquitetura rural e ao modo de vida serrano, compõe um ativo cultural — ou, em termos econômicos, um commodity simbólico — capaz de impulsionar cadeias produtivas de turismo, arte, agroecologia e educação.
Transformar essa riqueza em emprego e renda exige políticas públicas e iniciativas privadas que respeitem o saber local. Isso significa apoiar os pequenos produtores, investir em centros de formação técnica e artística, fomentar feiras e festivais que atraiam o turismo cultural e criar plataformas de exportação e divulgação da cerâmica e da cultura caipira.
O desafio está em fazer tudo isso sem descaracterizar o território, mantendo os moradores em suas terras e ofícios.
A valorização da identidade caipira — muitas vezes marginalizada — precisa ser entendida como um pilar estratégico de desenvolvimento. A cultura do sertão verde, dos lavradores, dos violeiros, dos tropeiros e ceramistas, pode — e deve — ser instrumento de transformação social. Em vez de migração para centros urbanos, é possível criar oportunidades ali mesmo, onde a cultura nasceu e floresce.
Cunha, com sua história de resistência, reinvenção e beleza, pode ser um exemplo nacional de como o passado pode ser o motor do futuro. O cinquentenário do noborigama é mais do que uma comemoração: é uma chance de afirmar que tradição e inovação não são opostos, mas caminhos complementares para um Brasil mais plural e justo.
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por Oswaldo Macedo