Search
quarta-feira 8 maio 2024
  • :
  • :

“Crônicas e Contos do Escritor” – A tartaruguinha e a pressa

A tartaruga caminhava calmamente, para que pressa? Ao seu lado, uma fila de carros passava voando e ela se perguntou se saberiam para onde iam e o porquê de estarem com tanta pressa.
Balançou a cabeça e observou um cachorro quase ser atropelado ao correr atrás da motocicleta, de um desconhecido qualquer. Com um largo sorriso, que deixou os dentes a mostra, balançou a cabeça enquanto pensava na santa inocência do animal. Seria apenas diversão, ou estaria incomodado com o barulho estridente e irritante da motocicleta apressada? Provavelmente um entregador a serviço de um restaurante qualquer, levando o alimento para algum cliente que comeria apressado, comprometendo a digestão, de olho em algum relógio de parede, sem perceber direito o que comia e que, rapidamente, voltaria para o serviço se não estivesse de olho em um danado aparelhinho chamado celular, esse sim um verdadeiro ladrão do tempo.

Mas, para que comer devagar? Havia pressa no serviço, no estudo, nas coisas a fazer, na vida a levar, havia pressa no mundo e quando desenvolvesse alguma grave doença no estômago, teria tempo para tomar lentamente sua sopa ou comer algo pastoso com lentas e pequenas colheradas.

Voltando ao motociclista, assim que entregasse o alimento, voltaria apressado, arriscando sua vida e a de outros, para pegar mais encomendas e, mais uma vez, sairia a “mil por hora”, buzinando, atravessando sinais vermelhos, esquecendo de sinalizar nas curvas, ziguezagueando por entre os carros, desconhecendo placas de “PARE”, sabendo que a rua era sua, portanto, carros e pedestres que se virem e que abram espaço para ele. Sua pressa seria para entregar o alimento ainda quente? Para melhor satisfazer o cliente? Não, é claro. Sua pressa era devida ao desejo e necessidade de pegar mais e mais entregas, afinal, os boletos, como tudo nessa vida, sempre tinham pressa de chegar e, com certeza, chegariam mês a mês. E o tempo era curto e o danado do dinheiro precisava ser ganho. Não tinha tempo para seguir corretamente as leis de trânsito e nem para respeitar pedestres e motoristas, também tão apressados quanto.

Tempo para pensar com tranquilidade somente teria quando, após um grave acidente, estivesse repousando em sua casa ou se recuperando em uma cama de hospital. Aí sim teria tempo para pensar, aliás, muito tempo. E os boletos chegariam do mesmo jeito.

Mais alguns metros à frente e a doce tartaruguinha viu um homem engravatado atravessar a pista correndo e, cheio de pressa, seguir até o estacionamento, entrar no seu carro e sair a toda. Certamente estava indo atrás de uma grande venda, de um grande negócio ou seria apenas o marido desconfiado querendo chegar logo em casa? Ou será que tinha que sair dali o mais rápido possível da cena de um possível adultério? Ou, ainda, talvez, nem ele mesmo soubesse o porquê da urgência, talvez fosse apenas costume.

Dali a alguns anos a ficha vai cair e tudo o que vai querer é um canto sossegado e pacato e, nesse momento, vai perceber que a velhice chegou e ele nem viu a vida passar.

A tartaruguinha deu de ombros, isso não era problema dela, e caminhou lentamente mais alguns metros até que viu uma mulher sair apressadamente de um carro que acabara de a deixar. Ela estava vestida com uma saia bem curta que deixava à mostra suas pernas bem torneadas e uma blusa com um insinuante e exagerado decote. A tartaruguinha achou que a maquiagem da moça também estava meio exagerada, quem sabe um pouco escandalosa. Ainda a observando, percebeu que ela nem bem desceu daquele carro e já estava acenando para outros, para qualquer um. A tartaruguinha não entendeu muito bem o que aquilo significava e, mais uma vez, botou na conta da pressa de todo mundo em conseguir dinheiro. Sim, devia ser isso.

De uma maneira que ela não desconfiava, a moça estava apenas trabalhando apressadamente, para ganhar dinheiro.
Um pouco confusa, a pobre tartaruga seguiu em frente e viu um homem muito elegante descer de um luxuoso carro e, sem se preocupar com o insignificante mendigo que implorava sua ajuda, entrou apressadamente em um belo prédio comercial. Havia negócios, muitos negócios, a serem feitos. Havia muito dinheiro para se ganhar.
Olhou para o mendigo e entendeu que, para ele, a vida seguia lentamente. E, para ela também.

A tartaruguinha apertou o passo, a noite estava chegando. Precisava chegar logo em casa.