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quarta-feira 8 maio 2024
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Comilanças Históricas e Atuais – O Caçador de Pipas: uma grande amizade

Comilanças Históricas e Atuais – O Caçador de Pipas: uma grande amizade

I – 2003 – Alegria, Tristeza, Revelação
O ano 2003 veio num avião planejado e construído na oficina que conserta as necessidades do universo. Pousou no aeroporto da esperança, dando início aos acontecimentos de um novo tempo.
No Brasil, terra nascida nos desejos do sol, Lula assumiu a Presidência da República; subiu a rampa do Planalto Central de mãos dadas com o sindicalismo internacional; o cantor e compositor Gilberto Gil recebeu o prêmio Grammy de músicas latinas; o cinema decorou a sua tela com a lenda do “O Senhor dos Anéis”; Harry Potter tomou seu lugar nas livrarias espalhadas pela terra, na sua quarta vez; o ônibus espacial Columbia, gloria da ciência americana explodiu antes do lançamento, matando sete tripulantes; na cidade de Campinas, na vivência de uma noite silenciosa, Celly Campelo, símbolo do rock brasileiro fechou seus olhos para sempre. O “Estúpido Cupido” retornou ao Monte Olimpo, de cabeça baixa.

II – O gerador da vida em palavras
O escritor Khaled Hosseine publicou o livro “O Caçador de Pipas”. As pipas coloridas tornaram-se sucesso mundial, invadiram o coração dos leitores da vastidão universal, narrando uma história acontecida no cotidiano do povo e da cultura afegã.

O escritor é médico, naturalizado americano e nascido no Afeganistão, um país tão distante da nossa realidade de todos os dias. Ele nasceu em março de 1965, quando Papai Noel acariciava o seu trenó, sob o olhar das renas desgastadas pela missão realizada no ano anterior. A sua obra retrata um país montanhoso, tendo a cidade de Cabul como capital, uma espécie de rota comercial de sonhos da infância, de negociação com o tudo e o nada.

III – O cinema e a mudança de linguagem
Após a leitura do livro de Khaled, o diretor cinematográfico Marc Forster, que estava com a vida nas mãos, com uma literatura forte, profunda, invasora e penetrante. Após enxugar algumas lágrimas do rosto, uniu-se ao roteirista David Benioff, tentando colocar a emoção e as pipas nas imagens em movimento, proposta básica da sétima arte.

O projeto para a transposição de linguagem, percorreu a possibilidade da lógica, ou seja, a divisão da história literária em duas partes, bem centradas e definidas. Na primeira, procurou encaixar as ações na infância de Amir e seu amigo Hassam, filho de um empregado da casa, duas crianças caminhando no tempo de 1978, no Afeganistão. Os dois foram amigos inseparáveis, ligados pelas brincadeiras de todos os dias e pedaços da noite. Além da existência correndo no corpo da infância, das ruas, das pipas, os meninos adoravam o cinema americano e os filmes de faroeste, o mundo onde vivem os mocinhos e os bandidos. Amir e Hassam correm os traçados da cidade, escalam morros vizinhos das nuvens, escondem-se, para não ouvirem os chamados do pai; assim, empinam pipas e sonham.

Num certo dia, em uma hora marcada pelo silêncio Hassam é vítima de um ato de violência, de brutalidade, praticado por jovens de uma gangue local. A ação foi testemunhada pelo amigo Amir, que se escondeu, nada fez em defesa de Hassam.

Na segunda parte, Amir, que abandonou o amigo na infância, já é um adulto, escritor, morando nos Estados Unidos; sua vida, porém, carrega dentro de si uma enorme cicatriz causada pelas lembranças de sua alienação vivenciada na infância, em relação ao amigo Hassam, que o leva ao sentimento marcado pelo medo, covardia e remorso, por ter fugido da cena onde o amiguinho foi espancado. Porém, no caminhar dos dias, surge uma chance do protagonista retornar ao Afeganistão e, nessa volta às origens, libertar-se dos seus fantasmas.

IV – O filme e a profundidade
Amir recebe em sua casa, nos Estados Unidos, ao lado de sua esposa Soraya, varias caixas entregues pelo serviço de correio. Todas as caixas estão fechadas, lacradas. Ele as abre. No interior das caixas estão os volumes do seu primeiro livro, recém lançado por uma editora famosa. De certa forma, o personagem retorna à infância, época em que escrever era um desejo, um sonho afastado na fumaça e no mundo. Os livros, tornam-se uma fotografia do caminho que leva o ser humano à realização. O plano, visto pelo ângulo comercial, demonstra que os volumes estavam destinados à divulgação pelo autor. A importância do recebimento de sua primeira obra está no toque do telefone, fato que ocorre ao mesmo tempo. Amir atende o chamado telefônico, era um velho amigo de sua família, o senhor Rahim Kahn, aconselhando-o a retornar ao Afeganistão.

V – O regresso
Amir arrumou as suas coisas, despediu-se do pai e retornou ao Afeganistão. A vida do narrador-protagonista, através do seu reaparecimento, apresenta ao público a marca de sua identidade cultural fixada no seu nascimento. Uma grande cultura brota da natureza, da estrutura do país, na origem de cada um e na enorme obra que é a formação do interior do ser humano. A sua volta ao país é uma espécie de diáspora individual, um encontro para acerto dos conflitos e as descobertas do seu próprio ser.

VI – As pipas
O narrador-protagonista Amir se apega à memória da infância para reviver a sua trajetória em terras do Afeganistão na década de 70.
As disputas de pipas, brinquedo colorido dominando o mundo acima da cabeça dos homens; as pipas rodeavam o espaço das nuvens mais vagarosas. O voo, a quentura do corpo, o brilho nos olhos, a batalha nas linhas e as linhas na mão. O nosso amor de irmãos, o nosso sangue se unia na imensidão do céu. Amir pilotando a pipa; Hassam orientando todas as estratégias necessárias para cortar a linha do concorrente.

Cada bairro do Afeganistão, cada pedacinho de terra, tem sua própria competição de pipas. No ano que estabelece o tempo no filme, o campeonato seria realizado na cidade de Cabul onde vivem os personagens. Os comentários que dominavam as ruas, as praças, os bares, o cinema, afirmavam que seria o maior campeonato dos últimos 25 anos.

Em uma noite sem mancha, mas preenchida pelo inverno, quatro dias antes da competição o pai de Amir, Baba, contou na frente da lareira, aos dois meninos, a história de um bando de lobos que desceu das montanhas de Herat, em pleno inverno, obrigando as pessoas ficarem em casa durante uma semana, pensando somente em seu espírito e na vontade de Deus.

Os personagens se preparam para o campeonato de pipas. Amir consegue vencer em terra e no ar. Hassam o orientou a dominar, a conquistar o vento. O grande caçador de pipas da história e do filme, sempre foi o menino pobre chamado Hassam. Ao término do evento, Amir campeão, despediu-se do amigo. A sua visão, naquele momento, é de um Afeganistão vivendo seus últimos minutos de paz.

VII – A liberdade impossível
Amir, narrador-protagonista, em seu retorno ao Afeganistão, sente a necessidade de reavaliar o seu passado e reconsiderar a sua amizade com o amigo Hassam. A ideia não se afasta da possibilidade de redenção desejada por Amir. Os seus olhos não reconhecem a sua terra natal, não há a mínima possibilidade de reerguer o passado livre, liberal e democrático da sua infância. A violência, a morte, caminham nas calçadas. Hassam partiu do Afeganistão e subiu, de nuvem em nuvem, em busca das estrelas, deixando um filho no mundo estraçalhado pelo Talibã e fervendo em seu próprio conflito. Amir luta, apanha, conhece a prisão, foge ao entardecer, mantendo porem o sentimento de busca do seu sobrinho, filho de Hassam. À noite, no nascimento da estrela guia, Amir e o filho de Hassam voam para os Estados Unidos e a liberdade recebe o novo caçador de pipas.

VIII – No pé do rodapé
A pipa abraça o ar, inspira-o através do seu pulmão de papel. No céu a pipa foge da lei da gravidade usando linha e vento. O navegador Colombo tinha febre, delirava com um novo caminho para as Índias. O seu navio abria a porta das águas. Seus olhos acompanhavam o azul chamado céu. Os vigias notificavam ao navegador a posição do navio entre os achados e os perdidos, usando pipas coloridas. Dessa forma, dizem os marinheiros que as histórias se formam dentro de outras histórias.

No Quilombo do Palmares, o cheiro da pele do branco matador, colonizador de almas perdidas, era denunciado pelo voo de uma pipa. Na Grécia antiga Dédalo e seu filho Ícaro foram presos no Labirinto de Creta. A fuga só se tornava possível através do vento, pelo voo. Com cera de abelha, colocaram pena nas costas em formato de asas, o corpo funcionara como varetas. Voaram para a liberdade e, sem desejo definido, fizeram a primeira pipa.

Um faraó, lá do Egito antigo que, aos cinco anos de idade, assumira o trono. Em uma manhã de primavera, fez uma pipa de seda, colou-se nela, e voou em liberdade renunciando ao emprego público de faraó. Em seu testamento com hieróglifos trêmulos, ele contou que criara a primeira pipa do mundo, de 12 cores.
Nas terras do Japão, o deus Izanagi, apaixonado, beijou a deusa Izanami, nos lábios vermelhos como sangue, num minuto de distração da divindade. Ela gostou tanto que, no recuo do seu olhar brotaram pipas azuis, verdes, vermelhas, e de cores não declaradas. No coração de todos os sentimentos, o Japão afirma que, do amor, fez a primeira pipa.

A Polinésia dorme no peito do Oceano Pacífico. Os peixes vermelhos, filho das galáxias, saíram do mar e foram brincar na praia, o contentamento foi grandioso, motivando o peixe verde Hazel, criar a primeira pipa do mundo feita de folha de sargaço e a entregou a Fernando Pessoal, poeta português.
Dizem também que o Afeganistão criou o primeiro caçador de pipas, e as crianças do mundo inteiro aprenderam a olhar para o céu em busca de Amir e Hassam.

Receita
Ravanie

Ingredientes:
Massa: 115 gramas de manteiga; 1 e 1/4 xícara de chá de açúcar; 1 e 1/2 xícara de chá de farinha de trigo; 2 colheres de chá de fermento em pó; uma pitada de sal; 1/2 colher de chá de pimenta da Jamaica; 1/4 de xícara de chá de sêmola; raspas e suco de 2 laranjas; 2 ovos; 1 colher de sopa de sementes de gergelim levemente torradas.

Calda: 2/3 de xícara de chá de açúcar; raspas e suco de 1 laranja; 2 colheres de sopa de mel.

Modo de Preparo: Pré-aqueça o forno a 180ºC. Unte uma forma retangular e forre com papel manteiga. Em uma tigela grande, bata a manteiga e o açúcar até obter um creme claro. Em outra tigela, peneire a farinha, o fermento, o sal e a pimenta da Jamaica. Junte com a mistura de manteiga e acrescente a sêmola, os ovos, as raspas, o suco da laranja e as sementes de gergelim. Misture muito bem. Coloque a massa na assadeira e leve ao forno por 1h15. Para ver se está pronta, espete o palito. Se sair limpo, pode retirar do forno. Deixe esfriar e com a ajuda de um garfo, faça diversos furos na massa para a calda penetrar na massa. Faça a calda. Numa panela pequena, em fogo baixo, aqueça o açúcar, as raspas e o suco da laranja, mexendo até que o açúcar se dissolva. Junte o mel e deixe ferver por 3 minutos. Regue o bolo com a calda ainda quente. Decore com raspas de casca de laranja. Para servir corte o bolo em pequenos losangos e sirva.

Por Adriana Padoan